Quando
falamos em fé, nos reportamos a símbolos que dentro da nossa tradição cultural, nos foram impostos desde a infância e em vidas
pregressas alguns estivemos à frente de ideologias religiosas obrigando a sua aceitação de forma violenta.
Na
conjuntura católica esses símbolos são representados pelos credos, orações,
confissão, entre outros que são as bases para a catequese, considerados como
ponto principal da educação cristã. A
história nos mostra que essa fé, que fora preconizada como preceito
indiscutível foi responsável por atrocidades, mas também pelos chamados
milagres.
Mas
afinal, porque existe a fé? O que significa ter fé? Porque a fé se transforma
em fanatismo?
Estudiosos
alegam que a fé nunca esteve ligada à razão, pois sendo racional, ela não
poderia fluir entre as pessoas de pouca cultura. Em Depois da Morte, Léon Denis
afirma que ninguém adquire fé se não tiver passado pelas tribulações da dúvida
ou mesmo sem ter padecido angústias e que a fé é aquele sentimento que arrebata
e anima de forma convicta e não simplesmente uma mera crença em dogmas
religiosos. Para Tomás de Aquino, a fé é sabedoria máxima, porque eleva o
pensamento para o Superior.
Porém
o que vemos comumente, como manifestação de fé, é mesmo a crença nos dogmas
aceitos como verdadeiros. Esta é a fé
cega, que leva o individuo a tornar-se fanático e perigoso por promover o
sentimento de conformismo e ao mesmo tempo combativo contra os que julgar
infiéis.
O conformismo leva também o homem a colocar
todos os acontecimentos de sua vida nas mãos de Deus. Tudo o que lhes ocorre é “porque
Deus quis”. Na grande maioria das vezes, os conformistas não se lembram de
dizer, em situações positivas, que elas ocorreram porque Deus assim o quis.
Julga-se
entretanto, que na Doutrina Espírita, por encontrarmos de forma clara e
objetiva o ensinamento sobre a fé raciocinada, a que tem sua base na verdade, que
refuta a mentira e a ilusão que o desequilíbrio em torno desse sentimento,
possivelmente, não existiria... Oh, quanto nos enganamos, onde há ser humano,
há distorções e mesmo nas casas espíritas mais sérias, encontraremos expressões
de fé cega.
Ao
adentrar a terra brasilis, a Doutrina
Espírita não passou incólume ao processo de mistificação, devido ao sincretismo
religioso que por aqui já reinava. Assim,
a fé raciocinada, propalada através da Codificação, foi substituída pela falta
de raciocínio gravitando ao seu redor o mesmo conformismo e histerismo de
outras seitas.
Sem
optar pelo discernimento, muitos dirigentes espíritas pregam uma emotividade
doentia para legitimar o que chamam de manifestação de fé. Como apregoou
Voltaire em O túmulo do Fanatismo, quase todos os que se colocam à frente de
seitas, e podemos dizer, ditando regras e comportamentos, tem como objetivo
dominar e enriquecer. A questão do lucro, no caso dos espíritas, vem
escamoteada pelo discurso da caridade e do distanciamento das coisas materiais.
A
transformação do Espiritismo em mais uma religião vem estimulando ações sem
nenhuma noção de razoabilidade. Se uma das principais características da
Doutrina é a fé raciocinada e consequentemente a capacidade de meditar e
recusar as inverdades cunhadas pelo dogmatismo, essa essência foi perdida ao se
aderir às superstições que de acordo com Voltaire, são contrárias à capacidade
de racionalidade do homem.
O
que temos nas casas espíritas são manifestações de mitos e ritos sem nenhum fundamento,
tal os utilizados pelas religiões no passado a fim de estabelecer dogmas e
dominar os fiéis que uma vez manipulados, passavam a repetir esses mesmos ritos
sem questionar o que era a fé.
Em
torno da confusão que se instaurou, a falta de estudos sobre o significado do
que seja o dogma, leva os espíritas a classificarem sua fé desordenada em fé
raciocinada simplesmente por esse termo ter sido estabelecido por Allan Kardec em
seus estudos.
A
fé é um sentimento profundo, porém simples. Não se reveste de alegorias e nem
necessita de representantes. É algo que vem da consciência, ela é perseverante
e reflete sobre a veracidade de seu objeto de crença. Como bem dito por Kardec,
“fé inabalável é a que encara a razão frente a frente em todas as épocas da Humanidade”
e por isso é uma fé que transcende a banalidade e picuinhas dos seres.
A
fé existe pela necessidade do homem em acreditar em alguma coisa que o sustente, principalmente em seus momentos de agonia. Ter fé é não duvidar, mas a fé
ultrapassa os sentidos do passivo, mas quando o acreditar perde o crivo da
razão e torna-se irracional, surge o fanatismo.
Sabemos
que os espíritos influenciam em nossas vidas e conforme resposta dada a Kardec,
muito mais do que pensamos e geralmente nos conduzem. Porém, atribuir aos espíritos
todos os acontecimentos, seguramente é uma ação fanática. Ainda contamos com os que repudiam companheiros por eles não acreditarem que não se pode comer frango no último dia do ano, pois segundo a crença, a vida dará para trás no ano novo, pelo simples fato de que o frango cisca para trás...
A
fé cega, fanática ocorre quando a ilusão se instala originária pela ignorância.
Sem a mente predisposta ao conhecimento, a capacidade de pensar é anulada,
sendo mesmo bloqueada.
As
manifestações pavorosas de fé têm levado a desavenças entre os espíritas. De um
lado, os que seguem religiosamente as convicções ritualísticas e de outro, os que discordam da panaceia instaurada
em nome de Deus e que ainda leva o nome de espírita.
Os
equívocos e absurdos se sucedem sob a justificativa da fé e como no passado,
travestidos de soldados de cristo vemos confrades imporem seus pontos de vistas
pessoais com o discurso que lutam por uma causa superior.
Fruto
de um comportamento limitado, a fé cega é a principal originária da intolerância.
Apesar dos espíritas falarem contra as intolerâncias, esquecem-se facilmente
das orientações norteadoras ao bom senso a que o Espiritismo nos conclama e tornam-se
intolerantes quando suas idéias são questionadas à luz da razão. E neste
contexto, fogem ao diálogo e tentam provar a qualquer preço a veracidade de
seus argumentos, nem que seja com o uso da força física, da agressão verbal ou
até mesmo fazendo uso da maledicência.
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