quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A França do século XIX e o Espiritismo.


No momento em que Allan Kardec deu início às pesquisas que teria como consequência a Doutrina Espírita, a França passava por mudanças políticas significativas, fruto de revoluções, principalmente a de 1789, que contestavam o antigo regime. 
Havia uma grande disparidade no modo de vida da população. Se de um lado havia os que se beneficiavam do sistema político, vivendo de modo privilegiado, do outro havia uma grande massa de miseráveis  marginalizada.  Autores da época, como Vitor Hugo, retrataram o caos social com o aumento da pobreza tanto no campo, quanto na cidade.
O desastre era sem precedências que aliado a epidemias, desemprego, violência e fome levavam as pessoas a viver nas ruas em busca de esmolas carregando o estereotipo de vagabundos e desordeiros constantemente lavrados em autos criminais.
O clima de insegurança gerava uma visão dantesca da pobreza, vista com compaixão pelos liberais que acreditavam que deveriam dar ajuda, em meio à permanência da crença de que ser pobre era um pecado com o discurso dos que eram a favor de banir os pobres das ruas acusados pelo aumento de mazelas sociais como a prostituição, levando a efeito medidas drásticas, como dar sumiço, misteriosamente, a jovens que vagavam.  As autoridades lavavam as mãos, mas era a própria polícia encarregada desse “sequestro” e de encaminhá-los para o trabalho nas galés.
Por esta época a caridade religiosa, que vinha desde a Idade Média promovendo os pobres a uma condição de vida mais digna, desaparecia paulatinamente.
Os sistemas que questionavam a existência e a sociedade se encontravam em evidência. O materialismo, o marxismo, o existencialismo que procuravam dar uma visão mais realista da vida em detrimento da visão conformista passada pelas religiões levava a profundas interrogações em torno da existência humana e de seus fatores como a morte, a solidão, a liberdade, a essência do sentido da vida.
De um lado Karl Marx afirmava que a religião era o ópio do povo e Nietzsche não poupou criticas à sociedade ao afirmar que Deus estava morto. Neste contexto, o filosofo se referia ao afastamento do homem do sistema religioso e seu mergulho no niilismo.
A França do século XIX amargava uma extrema desigualdade social e também cultural em consequência dos desastres econômicos e da falta de uma política socioeconômica estruturada.  Essa situação de penúria, não passou despercebida de Allan Kardec que vai discutir na Lei de Igualdade em O Livro dos Espíritos, os parâmetros para uma sociedade mais justa e em artigo publicado em Obras Póstumas expõe seu pensamento sobre o pilar da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade em um contexto mais espiritualizado.
A instabilidade que permaneceu após a Revolução, não permitiu a implantação de um estado de plena igualdade, a burguesia, apavorada com a possibilidade de perder seu lugar ao sol, esqueceu-se dos ideais decantados anos antes tentando uma reorganização política baseada na força. Teoricamente a ideologia em torno da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade permanecia como um projeto social sufocado pelo individualismo dos que não queriam perder seus privilégios.
Para Kardec, essa tríade daria à sociedade resultados positivos se não tivesse sido sufocada por interesses pessoais e fosse aplicada de modo integral. 
Em sua concepção, a fraternidade para  ter uma ação social satisfatória, deveria ser bem entendida e por isso mesmo, sabiamente aplicada,  mas a sociedade impôs obstáculos ao seu pleno êxito, visto que os homens não possuíam espírito de devotamento e benevolência uns para com os outros, que seria a aplicação da máxima cristã de fazer aos outros aquilo que gostaria que os outros fizessem a si.
         A igualdade social viria em decorrência da vivência equilibrada da fraternidade, porém, enquanto o orgulho fosse a companhia que acalentasse o ego humano, uma sociedade igualitária jamais poderia se implantar de forma verdadeira.
Em relação à liberdade Kardec a classifica como consequência dos pilares anteriores, mas a liberdade legal e não a liberdade natural que faz parte de todo ser humano.  Porém, esta liberdade legal encontrava-se tolhida pela falta de justiça social e pelo egoísmo que suprimiam a confiança dos homens uns nos outros e como as três ordens necessitavam estar unidas e em perfeita conjunção para que pudessem lograr equilíbrio ao meio social, apenas quando houvesse um sentimento verdadeiro de progresso é que elas deixariam de ser uma mera paisagem social. 
Só com a compreensão do profundo e real significado da fraternidade, da igualdade e da liberdade ao lado do crescimento moral, é que se chegaria a uma sociedade eficientemente desenvolvida em termos materiais e espirituais.
         A partir desta análise de Kardec, podemos perceber melhor porque o contexto deflagrado com a Revolução Francesa não surtiu efeitos sociais satisfatórios em um curto prazo. Todos ansiavam uma mudança material sem a percepção da necessidade de uma mudança no âmbito moral para o pleno êxito do programa revolucionário.
Podemos aplicar o pensamento de Kardec ao contexto mundial atual, tanto interno quanto externo, onde vemos a ascensão de grupos que reivindicam poderes políticos, mas que se posicionam contra a liberdade de expressão e a favor de injustiças com a fundação de partidarismos e ideologias sem sentido reivindicando que as leis sirvam ao seu bel prazer, esquecendo-se que leis são de fato um direito de todos.
         Por isso mesmo, a justiça social só se fará quando houver a conscientização de que é preciso mudar paradigmas não apenas materiais, mas, sobretudo morais.


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