quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

EDUCAÇÃO PARA UM NOVO MUNDO


               
                        “Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma.
                                      Mas dirá alguém: Tu tens fé, e eu tenho obras; mostra-me a tua fé                                  sem as obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.”
                                                                                                       Tiago, cap.2 v 17 -18.


      No ano de 1854 tem início as pesquisas que vão culminar com a Doutrina Espírita, tendo à frente Hipolyte Léon Denizard Rivail, emérito pedagogo que ficará conhecido pelo nome de Allan Kardec e que dedicou trinta anos de sua vida à educação, antes de adentrar os estudos espíritas.

      Discípulo de Pestalozzi, grande pedagogo da época e estudioso de tudo o que se relacionasse com as leis da natureza e com a natureza do homem, Allan Kardec sabia que o homem é o objeto de estudos da educação.

      Sua preocupação com o conhecimento e mais ainda, que as pessoas pudessem adquiri-lo, fica clara na estrutura de suas obras didaticamente organizadas a fim de que todos pudessem ter acesso.

      Apaixonado pela Pedagogia, não teve porém tempo de deixar uma obra nesse âmbito específico, porém, nos legou através do Espiritismo, todo o alicerce necessário para o empreendimento.

      O Espiritismo chega ao Brasil, em 1863, através de notícia no jornal sobre a febre das mesas girantes na Europa. Dois anos depois, funda-se o primeiro núcleo espírita na cidade de Salvador.
   
      A partir dai, o Espiritismo expande-se pelo País onde destacam-se grandes trabalhadores como Adolfo Bezerra de Menezes e Eurípedes Barsanulfo que muito contribuiu para a divulgação do Espiritismo na vertente da caridade e da educação onde utilizou uma metodologia baseada nos postulados kardequianos.

O ESPIRITISMO COMO PLANO PEDAGÓGICO

      É no Brasil que surge o termo Pedagogia Espírita, tendo com suporte, além dos estudos de Allan Kardec, Sócrates, Platão, Rousseau, Pestalozzi e Comenius.

      A primeira escola Espírita fundada foi o Colégio Allan Kardec por Eurípedes Barsanulfo (1880 – 1918), na cidade de Sacramento, interior de Minas Gerais em 1º de Abril de 1907.
   
      Eurípedes nasceu e viveu em Sacramento. De família humilde, teve porém a oportunidade de estudar com bons professores. De inteligência notável, autodidata, sobressai-se como líder religioso. Eurípedes era Católico e tinha também uma presença ativa no meio cultural e político.

      Aos 12/13 anos, fundou o Grêmio Dramático e mais tarde participou da Gazeta de Sacramento quando esta ainda iniciava suas atividades.Queria estudar Medicina, mas como teria que se deslocar para o Rio de Janeiro, preferiu permanecer em Sacramento pela preocupação com sua mãe que sofria desmaios inexplicáveis constantemente.

      Mas não desistiu de seu sonho, estudou sozinho Homeopatia e montou uma farmácia onde atendia os que o procuravam. Aos 22 anos, fundou com outros professores o Liceu Sacramentano.
Co- fundador e secretário da Irmandade de São Vicente de Paulo, era bem querido pelos clérigos da cidade – Padres e Bispos.

      Mas o caminho de Eurípedes ganha uma nova dimensão quando o tio lhe dá de presente um livro de Léon Denis e passa a frequentar no vilarejo de Santa Maria, próximo à sua cidade, reuniões mediúnicas.

      Os fenômenos que presencia não lhe deixam dúvidas quanto à veracidade.

      Sua nova visão não é bem recebida por familiares, amigos e alunos que passam a julgá-lo louco. 

      Seus companheiros do Liceu abandonam os cargos. O mobiliário é tirado e o Liceu chega ao fim.

      Só, Eurípedes reabre o Liceu em uma pequena sala, mas era raro a frequência de alunos.

      Abatido, é orientado pelos espíritos para novos rumos no campo educacional. No ano de 1905 abre o Grupo Espírita “Esperança e Caridade”, já apoiado por seus familiares e amigos, onde desenvolve trabalhos doutrinários e de assistência social.

      Recebe uma mensagem de Maria, a mãe de Jesus, que segue à risca e funda o Colégio Allan Kardec tendo como base a Doutrina Espírita.

      O Colégio abre com curso de Astronomia e também de Espiritismo. Na mensagem, Maria lhe dissera que cobriria o colégio com seu manto protetor, pouco tempo depois o colégio cresce, torna-se conhecido na região e com um grande número de alunos, o que era um verdadeiro fenômeno para uma época em que o Espiritismo sofria com o preconceito.

      A essa época, a família de Eurípedes já aderira ao Espiritismo e o ajudava com o Colégio.

      A estrutura curricular do colégio contava com o ensino primário, ensino médio e o curso superior a cargo de Eurípedes.

      Os professores eram voluntários e o Colégio aberto a todos os que quisessem, era gratuito e com classes mistas. Este era mais um avanço, pois nas escolas meninas e meninos não se misturavam. E foi mais um alvoroço na cidade.

       O colégio tinha uma procura tão grande, que as matrículas encerravam-se no mesmo dia em que abriam, eram em média 100 a 200 alunos, isto levou um colégio de freiras da região a fechar por falta de procura.

      A estratégia pedagógica estava voltada para a construção do ser humano, legitimada pelas teorias de Jean Jacques Rousseau e Pestalozzi.

      A postura de Eurípedes com os alunos era como a de Pestalozzi. Diante dos conflitos, dialogava amorosamente, conversava com os alunos sobre os problemas que envolviam o comportamento.

      Eurípedes incentivava os alunos para que houvesse um melhor rendimento no aprendizado. E nesse sentido, havia avaliação contínua, que também era uma novidade na época, boletins mensais com conceitos. Esse sistema permitia ao aluno acompanhar e perceber o seu próprio desenvolvimento.
     
      No final do ano letivo havia os exames gerais, mas o seu objetivo não era a aprovação ou reprovação do aluno, mas perceber o seu crescimento.

      De acordo com as análises dos professores, os alunos mudariam de ano letivo ou não.

       Nos exames finais, acontecia uma festa da qual todos participavam, inclusive pais e amigos dos alunos e todos envolviam-se nos debates que decorriam cujos assuntos estavam relacionados aos estudados durante o ano. Os convidados questionavam os alunos e interferiam para dar opiniões, completar ou corrigir respostas.

      O ápice da festa era a apresentação de uma peça de teatro montada pelos alunos. Durante as aulas havia a aplicação da eloquência e da argumentação lógica e todas as semanas ocorriam debates entre os alunos. Uma parte das aulas era dedicada à exposição com explicações dadas pelo professor.

      Nas aulas de Ciências, dissecavam-se animais; nas de Astronomia, observa-se o céu; ainda havia ginástica, exercícios respiratórios, aulas ao ar livre, exercícios de racionalidade, observação da natureza, reflexão crítica. Todo o conjunto voltado para o desenvolvimento intelectual.

      Além dessas, a prática da fraternidade e da oração para o desenvolvimento dos valores espirituais.

      O trabalho moral era o centro do plano pedagógico. Ajudava-se a comunidade, havia laboratório onde preparavam-se remédios a partir das fórmulas recebidas por via mediúnica.

      Atendiam a doentes de várias localidades com qualquer tipo de doença. Eurípedes fazia partos, atendia pessoas com problemas mentais, pois havia a noção de que por trás de um desequilíbrio mental estava um processo de obsessão.

      Os alunos ajudavam aviando as receitas, cuidando dos doentes que ficavam hospedados no Colégio e também acompanhavam Eurípedes nas visitas e nos velórios onde tinha por hábito ir orar.

       Eurípedes Barsanulfo não apenas inova nesse sentido, como também amplia essa inovação incluindo o exercício da mediunidade entre os seus alunos.

      Portador de uma mediunidade fabulosa que reunia a psicofonia, o desdobramento, vidência. Os alunos acostumaram-se a presenciar os fenômenos mediúnicos, pois Eurípedes entrava em transe durante as aulas.

      Ao retornar de um transe, Eurípedes costumava relatar aos alunos o que havia visto. Durante a 1ª grande Guerra, em desdobramento, foi até campos de batalha e contava o que havia presenciado.

       Os alunos do nível superior e que já estudavam Espiritismo, frequentavam as reuniões mediúnicas à noite no Colégio de livre e espontânea vontade.

      Assim como Kardec, Eurípedes acreditava que o homem era um ser mediúnico por natureza e sabia que a criança tem uma maior capacidade para compreender e sentir a partir do momento em que ela aprenda que não há mistérios, irracionalidades ou algo sobrenatural em torno dos fenômenos mediúnicos. Eurípedes via na criança um ser individual, criativo, ativo e livre.

       O Colégio Allan Kardec, suspendeu as atividades momentaneamente, devido ao surto de gripe espanhola que assolou o País.

       Nos fundamentos e princípios dos planos pedagógicos traçados por Eurípedes estavam:

 O homem é um ser espiritual, logo interexistente;
 A criança é um Espírito reencarnado;
 A vida é um processo de aprendizagem cujo objetivo é a perfeição;
 O objetivo do existir é fazer com que a alma revele sua origem divina;
 A educação é também um processo de auto-educação;
 A função do educador é despertar o aluno e incentivar o gosto pela auto-educação, pois educação é processo de ajuda e progresso sem imposições e pode ocorrer em qualquer relação entre os seres humanos.
Os princípios da Pedagogia Espírita:
 Liberdade → em qualquer processo pedagógico deve-se ter em mente que o homem é um ser livre e que deve aderir de forma voluntária à proposta de evolução;
 Ação → o ser só aprende quando ele age, experimenta e ensaia, mesmo que erre, pois só assim poderá desenvolver suas potencialidades;
 Amor → este é o elo do processo de evolução. A relação pedagógica deve estar fundamentada na Lei de Amor, só este sentimento é capaz de elevar a alma a despertar o ser para as verdades divinas e evoluir.

       Eurípedes Barsanulfo foi um autêntico Espírita. Desencarnou ajudando as pessoas vítimas da epidemia de gripe, epidemia vista por ele em um de seus desdobramentos.

      Perseguido não desistiu e Lauret Godoy descreve em seu livro Maravilhosos encontros com Eurípedes Barsanulfo um desses momentos, quando em 1913, um padre de Campinas, Feliciano Yague fora chamado por religiosos de Sacramento para anular a influência de Eurípedes, desmoralizar o Espiritismo e desqualificar o Colégio Allan Kardec.

      Eurípedes propôs um debate público “No dia marcado, a praça da matriz estava repleta de sacramentanos e espíritas das cidades vizinhas, desejosos de assistir ao confronto que prometia ser memorável. E foi. Todos os argumentos do padre Iague objetivavam desmoralizar Eurípedes e o Espiritismo. Caíram por terra, um a um, graças ao raciocínio lógico, tranqüilo, consistente e pleno das palavras de Jesus por parte de Eurípedes. Ele foi vitorioso e precisou conter os entusiasmados espíritas, que desejavam carregá-lo em triunfo”.

      Seu grandioso trabalho em torno da educação do Espírito o legou o merecido título de precursor da Pedagogia Espírita. Não só um grande educador, como um extraordinário médium, que não poupou esforços em divulgar o Espiritismo em um período em que imperava o Catolicismo e em que as dificuldades eram imensas para quem professe outro credo se não o tradicional.

      Um grande Espírita, e acima de tudo, um grande Espírito, um exemplo para todos os adeptos e trabalhadores da Doutrina Espírita. Usou sua mediunidade de maneira digna, disciplinada e com amor, como todo o serviço que realizava.

      Com inigualável dedicação à causa Espírita no Colégio Allan Kardec e no Grupo Espírita Esperança e Caridade, trabalhou incansavelmente em beneficio dos mais necessitados, mesmo sob ameaça de morte por parte de seus adversários, e por isso Eurípedes Barsanulfo é também conhecido como o Apóstolo da Caridade.



Colégio Allan Kardec – Sacramento- MG – fundado em 1907 
Fonte: Educadores do Brasil.

BIBLIOGRAFIA:
GODOY, Lauret. Maravilhosos Encontros com Eurípedes Barsanulfo. 1ª ed. s/l: Edição do Autor. 2002.

NOVELINO, Corina. Eurípedes, o Homem e a Missão. 3.ed., Araras: IDE, 1979.


Obs. Este artigo foi publicado em 27/06/2010 no Blog de Espiritismo.

http://blog-espiritismo.blogspot.com.br/2010/06/educacao-para-um-novo-mundo-por-solange.html

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